terça-feira, 1 de agosto de 2023

O Som Do Vento

Qual é o som do vento nas asas do mocho? Provavelmente nenhum, pois as asas das aves da noite têm penas suaves e doces que lhes permitem voar em silêncio. Assim voa a ave da sabedoria entre os humanos e é preciso aprender a escutar o vento para ouvir e apreender o conhecimento.

No bulício dos dias, no comércio das horas quotidianas da actividade humana entre ter, querer, ambicionar e prometer, entre publicidade, publicações, reivindicações e exigências, se passam os tempos e não se encontra com facilidade o momento de parar.

Ocupemos pois a nossa vida para preencher as necessidades que o nosso corpo ocupa e demos-lhe alimento e vestuário, cama e resguardo, mas não esqueçamos de agradecer a abundância com que somos abençoados e o esforço para a recolher, com que somos duplamente abençoados.

Há esta verdade maior: que a essência do que somos, a natureza do que vivenciamos é pelas coisas materiais suportada, mas não pode ser delas linearmente dependente.

Mas a humanidade, mulheres e homens, homens e mulheres, procura nas coisas a satisfação, a razão de ser, cria coisas em que procura ser, encontra motivos para ser uma coisa e outra, cria indústrias de coisas, coisas para serem coisas de ser coisas, coisas para serem coisas que distraem e indústrias de distração e entretenimento.

Nesta corrida pelas coisas muitos, uma maioria, fica aquém do que sentem confortável, muitos ficam aquém do que necessitam à sobrevivência. Outros, têm uma multidão de coisas mas correm e principalmente fazem correr por mais e mais e mais coisas, sem sequer lhes faltar algo às suas precisões.

Tantas coisas há e os que mais coisas têm recusam partilhar o que outros precisam e auxiliar com compaixão à sua sobrevivência. Porque as próprias coisas criam hábitos de ter, hábitos de consumir, hábitos de deitar fora, hábitos de nos distrairmos, de esquecermos de quem somos, hábitos de estar habituado.

O silêncio do voo do mocho, o movimento calmo que a Terra desenvolve em torno do Sol e a batida do nosso coração podem marcar outro ritmo afinal. Um ritmo ao passo do nosso espírito, um ritmo ao passo da nossa natureza, um ritmo que não seja a vã vantagem das coisas, a vaidosa vantagem das coisas. Um ritmo que não seja a exploração do que está vivo e nos envolve, seres animais e seres plantas, seres gigantes ou invisíveis, seres minerais e seres telúricos, seres humanos e seres cósmicos, afinal para só criar a artificialidade das coisas.

O vento sopra, o mocho abriu as asas, na linguagem desse movimento podemos encontrar, podemos saborear todas as respostas, todas as perguntas, todo o aceitar do que é perene e está além da diminuta existência lastrada do que é material, toda a divina realização do planar estático imanente ao sentido do que é estar vivo.

É com esta convicta dissidência que levados pelo sopro da vida saímos à luz do dia em busca do olhar do mocho, duma pena guarnecida, duma asa aberta, do piar ancestral que nos aprenda a nossa origem. Que somos um só, uma só raça, uma só espécie, que viemos todos do mesmo lugar e ao mesmo lugar todos chegaremos e retornamos.